quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Corações tatuados


Conheci um cara um dia desses que a gente sai para se divertir. Ele foi simpático, sorriu e brincou. Fez o tipo convencional que todos nós fazemos quando estamos conhecendo alguém. Entre um papo e outro ele olhou para os meus braços. Pegou, girou, olhou, fez cara de quem não estava entendendo. No meio do meu silêncio, eu já sabia o que viria após essa análise.

- Por que você tatuou dois corações nos braços?

Tão típico, mas tão interessante. Eu tive uma série de respostas na minha cabeça, e todas eram verdadeiras. Eu sorri, olhei e pensei. Como não sou de falar pouco, descrevi o motivo daqueles dois coraçõezinhos estarem ali, estrategicamente expostos para o mundo.

- "Bom, eu não tenho dois corações tatuados no braço à toa. Acho que é importante você saber disso. Descobri que só o meu peito não sustentava esse órgão que carrego cheio de sentimento. Tatuei porque sinto o peso dele, principalmente nos braços. Já abracei, agarrei, soltei e tive os braços soltos contra a minha vontade. Esses corações aqui representam isso também. Pensando melhor, acho que tatuei porque queria mostrar ao mundo o quanto é importante essa figura na minha vida. Tive o meu coração marcado porque eu grito alto, esqueço de me amar, amo o outro e dou os três corações como se fossem fardos, mas não são, hoje eu sei. Tatuei para que eles fossem meus e de mais ninguém, mesmo que no primeiro encanto eu já distribua eles por aí. Tenho essa mania de gritar, ensinar e escrever o quanto o amor é demais, principalmente na minha vida. Tenho três pelo o corpo, e todos eles pesam muito. Um carrega a vida, o sangue, o pulsar que dói quando é recusado e foge pela boca quando ama. Os outros dois lembram quem eu sou, o porquê vim ao mundo e como tenho dificuldade em carregá-los. Eles são tudo o que vivi. Expressei em tatuagens porque é amor que não sai, é figura de linguagem, sabe? Pode sorrir das abobrinhas que digo, moço. O amor me moveu, maltratou e trouxe experiências que nem essas tatuagens podem narrar. Eu gravei no fundo da pele pois eu precisava provar para mim e para o mundo que mesmo na dureza, na luta, no dia a dia tedioso eu me desmancho com palavras, gestos e olhares. O amor só ficou nos meus braços porque eu já não sabia mais carregá-lo só no peito, entende? Perdi tanta gente, gente que ainda rasga o peito de saudade, gente que já esqueci, gente que ainda amo. Essas tatuagens são para pessoas como você, que olham e se perguntam o que eu tenho na cabeça para gritar o quanto é importante amar. Esqueço do julgamento quando os levo por aí. Fico achando que amar é normal, mesmo sabendo que é coisa de maluco. Aprendi algumas verdades, assumo. Mas a tatuagem não esconde quem eu sou e o que busco. Acho que é isso, moço."

Com falta de ar e viajando nas minhas palavras, me dei conta de que não havia respondido com palavras. Notei que a minha cabeça contou uma história sobre os corações, mas só estava falando comigo mesmo.

O moço continuava a me olhar, esperando uma resposta, e eu percebi que só não recitei em voz alta a verdade sobre aquelas tatuagens, pois já tinha cometido esse erro no passado. Lembrei que o mundo não está preparado para o meu poema em forma de diálogo. Todos saem correndo antes que meus corações possam dizer que aprendi a amar.

Então eu olhei para os dois corações que carrego nos braços e disse sorrindo:

- É que um só não estava dando conta!

Ele deu risada, pensou que era uma piada. Eu deixei que ele interpretasse e segui meu caminho. Não podia me mostrar tão mole para esse sentimento. O que é meu, está tatuado, ninguém poderá tirar, mesmo que doa ou pareça que não possuo um.

- Jana Escremin

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